sábado, 28 de janeiro de 2012

Neruda


PABLO NERUDA

de sua autobiografia

CONFESSO QUE VIVI


Foi muito diferente (do que com FIDEL) meu primeiro encontro com Che Guevara, acontecido em La Habana. Cerca de uma da noite cheguei para vê-lo, convidado por ele ao seu escritório no Ministério da Fazenda ou da Economia, não me lembro exatamente. Ainda que tivesse marcado um encontro para a meia-noite, cheguei atrasado. Tinha assistido a um ato oficial interminável, no qual me colocaram como presidente da mesa.

O Che calçava botas, usava uniforme de campanha e pistolas à cintura. Sua indumentária destoava com o ambiente bancário do escritório.

O Che era moreno, pausado no falar, com indubitável acento argentino. Era um homem para a gente conversar com vagar, no pampa, entre um mate e outro. Suas frases eram curtas e arrematadas num sorriso, como se deixasse no ar o comentário.

Lisonjeou-me o que disse de meu livro Canto General. Costumava lê-lo à noite para seus guerrilheiros, na Sierra Maestra. Agora, já passados tantos anos, estremeço ao pensar que meus versos também o acompanharam em sua morte. Régis Debray me disse que, nas montanhas da Bolívia, guardou até o último momento em sua mochila somente dois livros: um texto de aritmética e meu Canto General.

O Che me disse algo naquela noite que me desorientou bastante mas que talvez explique seu destino. Seu olhar ia de meus olhos para a janela escura do gabinete bancário. Falávamos de uma possível invasão norte-americana em Cuba. Eu tinha visto pelas ruas de La Habana sacos de areia distribuídos em pontos estratégicos.