quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

CELIA DE LA SERNA


  1. Da Índia, Che escreve para a Mãe.
    "Querida Vieja: Meu velho sonho de visitar todos esses países agora ocorre de um modo que inibe toda a minha felicidade. Falar de problemas políticos e econômicos, dar festas onde a única coisa que falta é que eu vista um smoking, e pôr de lado meus mais puros prazeres, que seriam ir e ficar sonhando à sombra de uma pirâmide ou sobre o sarcófago de Tutancâmon. Ainda por cima estou sem Aleida, que não pude trazer por causa de um desses complexos mentais que tenho. O Egito foi um êxito diplomático de primeira ordem. As Embaixadas de países do mundo todos vieram à despedida que demos, e vi de perto como a diplomacia pode ser complicada quando o núncio apostólico apertou a mão do adido russo com um sorriso realmente beatífico. Agora a Índia, onde novas complicações protocolares produzem em mim o mesmo pânico infantil(para resolver como responder às saudações).

Agora que realmente se desenvolveu dentro de mim é uma noção do conjunto em contraposição ao pessoal. Continuo sendo o mesmo solitário que costumava ser, procurando minha trilha sem ajuda pessoal, mas agora possuo uma percepção do meu dever histórico. Não tenho nenhum lar, nenhuma mulher, nenhum filho, nem pais, nem irmãos, nem irmãs; meus amigos são meus amigos apenas enquanto pensarem politicamente como eu. E, no entanto, estou contente. Sinto algo na vida, não apenas uma poderosa força interior, que sempre senti, mas também o poder de instilar em outros, e um sentimento absolutamente fatalista de minha missão, que me despe de qualquer medo.

Não sei por que estou lhe escrevendo isso, talvez sejam apenas saudades de Aleida. Tome-a como é. Uma carta escrita numa noite de tempestade nos céus da índia, longe da minha pátria e dos meus entes queridos. Um abraço grande para todos, Ernesto".

3 comentários:

  1. 1. Quando preso no México, escreve para a mãe..
    “É um erro profundo de sua parte achar que é pela moderação” ou pelo interesse próprio moderado que as grandes invenções ou as obras-primas artísticas foram realizadas. Para todas as grandes tarefas precisa-se de paixão, e para a revolução, a paixão e a audácia são necessárias em grandes doses, coisas que possuímos como grupo humano”

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  2. 2. Escreve para a mãe sobre o nascimento da filha Hildita:
    “ Avozinha: nós dois estamos um pouco mais velhos, ou se você pensar em frutos, um pouco mais maduros. A cria é feia mesmo e não se precisa dar mais que uma olhada nela para perceber que não é diferente de todas as outras crianças da mesma idade. Ela chora quando está com fome, a luz a incomoda e ela dorme o tempo todo. Mesmo assim, há uma coisa que a diferencia imediatamente de qualquer outro bebê: seu papai se chama Ernesto Guevara.”

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  3. Agora vem a coisa brava, velha, o que nunca recusei e sempre gostei. O céu não ficou negro , as constelações não mudaram de lugar, nem houve inundações, nem furacões demasiado insolentes; os sinais são bons. Auguram vitória. Mas, se equivocam, que no fim até os deuses se equivocam, creio que poderei dizer, como um poeta que não conheces: “só levarei sobre a terra o peso de um sonho inconcluso”. Para evitar patetismos pré mortem, esta carta sairá quando as batatas estiverem assando de verdade, e então saberás que teu filho, em um ensolarado país americano, se xingará de puto a si mesmo, por não ter estudado algo de cirurgia para ajudar um ferido, e xingará de puto o governo mexicano, que não lhe deixou aperfeiçoar sua já respeitável pontaria para derrubar bonecos com mais facilidade. E a luta será de costas para a parede, como dizem os hinos, até vencer ou morrer.
    Te beija de novo, com todo carinho de uma despedida que resiste a ser total. Teu filho

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